Agora que tenho alguns subscritores pagos além da minha mãe…
…posso começar a cumprir o que prometi a vocês no ato da subscrição.
Hoje trago um trecho inédito do meu novo romance, que já teve o título de Banzai! e agora, até segunda ordem, batizei de Vagalumes ao mar, uma saga inspirada na história real de Hajime Fujii, um tokkōtai (no Ocidente, o que se convencionou chamar de kamikaze) com uma biografia dramática, envolvendo não apenas o seu suicídio mas também o de sua esposa e de suas duas filhas, que morreram para que ele dedicasse a vida ao Japão.
Ocorre que Fujii, sendo pai de duas filhas e primogênito de sua família, não poderia se voluntariar para integrar as forças kamikaze. No Japão, o senso de dever com a família é bastante rígido, razão pela qual a maioria dos kamikaze eram jovens e solteiros, pelo menos até o momento mais crítico da guerra, quando qualquer voluntário passou a ser convocado. No caso de Fujii, ele tentou se voluntariar duas vezes: e nas duas teve seu pedido negado, em virtude dessa circunstância particular. Foi então que sua esposa decidiu se suicidar atirando-se num rio, amarrada às duas filhas.
Na sua nota de suicídio, Fukuko afirmava que fez o que fez para que o marido fizesse o que tinha que fazer. A última petição de Fujii foi assinada literalmente com seu próprio sangue, e ele enfim foi aceito para comandar o esquadrão que afundaria o destróier estadunidentese USS Drexler. Dos nove pilotos que decolaram com ele para essa missão, apenas um sobreviveu: seu avião caiu nas proximidades de uma ilha, e o piloto foi resgatado pelos nativos. Eu narro a história a partir do ponto de vista do sobrevivente: um jovem cujo sonho era se tornar um jogador de beisebol e que, por uma série de eventos que conto no início da narrativa, tornou-se também um tokkōtai.
Algumas palavras sobre esse projeto
que, como se vê, é diferente de qualquer coisa que já escrevi (e das crônicas que vocês costumam ler aqui): tem sido dificílimo trabalhar o original junto às editoras. A ponto de eu já ter me arrependido do dia em que minha amiga
me pediu um conto inspirado em “Metal contra as nuvens” (música de Legião Urbana que estaria no setlist de uma coletânea em homenagem à banda), e comecei a esboçar essa história.De um conto, a narrativa se tornou um romance, num desses atos insensatos que eu só posso comparar a uma camisinha estourada: você foi longe demais com algo, e agora vai carregar o peso do seu erro pelo resto da vida. Não estaria arrependido se o romance tivesse dado certo (e quando terminei eu tive a felicidade do parto, achei a criança perfeita), mas depois tudo deu errado: não pari uma criança, mas uma aberração literária, porque é essa a sensação que eu tenho cada vez que tento apresentá-lo a alguma editora.
Tenho plena consciência de que algumas das recusas que tive até aqui pouco têm a ver com o texto, mas com uma questão que tenho que lidar porque, para o mercado, pelo menos, nasci na região errada e escrevo errado: a um nordestino se pede que ele escreva sobre o Nordeste, e não qualquer Nordeste, mas o Nordeste que o Sul e o Sudeste acham que é o Nordeste, o Nordeste que eles gostam de ler. Um paraibano escrevendo sobre o Japão? Pfff. Quem você pensa que é, o Valter Hugo Mãe? Uma ficção com fundo histórico? Pfff. Quem você pensa que é, Benjamin Labatut?
Atribuo muito a esse tipo de expectativa o relativo sucesso que meu O que pesa no Norte teve em prêmios literários, como as indicações pro Jabuti ou pro Oceanos. Na minha ingenuidade, achei que esse relativo sucesso (junto com a primeira indicação ao Jabuti, em 2018), seria suficiente pra me permitir alguma penetração nas editoras de maior circulação no mercado, mas, tsc tsc… ledo engano: a sensação que eu tenho é que ora a cota nordestina já está preenchida no catálogo de algumas editoras, ora o “fruto estranho” que é esse livro não conversa nem com a imagem chapéu de couro que idealmente eu deveria vender, nem com a noção de ficção contemporânea dessas editoras (embora eu também venha tentando enviar pra alguns selos mais nichados).
Enfim… Releio todo esse desabafo agora e tudo me soa meio pretensioso, quando uma das primeiras lições que eu aprendi na literatura foi uma frase que o Daniel Galera escreveu num bilhete, numa Flip de 2013:
“Nunca esqueça de que não há evidência nenhuma de que alguém esteja minimamente interessado no que você tem a dizer”.
Mas, bom, poucos de vocês estão pagando, então temos um contrato. Segue o primeiro capítulo, se não prestar a vantagem é que poucos lerão:
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